14.3.08

SUDÁRIO


São poucos dias, mas o bastante para encharcar de memória essa terra que há muito se faz árida. Esse meu coração, esse Vesúvio que tenta suportar o crescimento manso das orquídeas no seu entorno.

Morre mais uma hora insone. Claro que mais uma vez, revivi tudo. As claudicações primeiras, as precipitações de depois. O embalar silencioso ao final de uma noite de fuga. O traçar e retraçar de estradas impossíveis. O aparar de asas. O chão coberto de penas. A voracidade dos recomeços. O chão coberto de roupas. A pressa em vesti-las. Os amores urgentes. A boca suja de estrelas. O dia em que, nus no banheiro, acreditei que tudo era meu, e que eu era merecedor. Toda a tensão de uma biografia compartilhada desenhando um rastro e um lastro nas nossas carnes.

Por ora, quero dar-te o abraço último, o último calor. Ser teu sudário. Talvez o que eu queira mesmo seja isso, matar-te. De uma morte que te faça viver externamente e que se dê só dentro de mim, deixando apenas o mistério da tua marca, como um retrato de agonia, paixão e entrega.