14.3.08

SUDÁRIO


São poucos dias, mas o bastante para encharcar de memória essa terra que há muito se faz árida. Esse meu coração, esse Vesúvio que tenta suportar o crescimento manso das orquídeas no seu entorno.

Morre mais uma hora insone. Claro que mais uma vez, revivi tudo. As claudicações primeiras, as precipitações de depois. O embalar silencioso ao final de uma noite de fuga. O traçar e retraçar de estradas impossíveis. O aparar de asas. O chão coberto de penas. A voracidade dos recomeços. O chão coberto de roupas. A pressa em vesti-las. Os amores urgentes. A boca suja de estrelas. O dia em que, nus no banheiro, acreditei que tudo era meu, e que eu era merecedor. Toda a tensão de uma biografia compartilhada desenhando um rastro e um lastro nas nossas carnes.

Por ora, quero dar-te o abraço último, o último calor. Ser teu sudário. Talvez o que eu queira mesmo seja isso, matar-te. De uma morte que te faça viver externamente e que se dê só dentro de mim, deixando apenas o mistério da tua marca, como um retrato de agonia, paixão e entrega.

24.2.08

The Young Republic - 12 Tales From Winter City (2008)








O grupo The Young Republic é de Boston, mas já tem morada no canto mais iluminado do folk norte americano. Com base em belos arranjos pop, acolhe nos braços de cada canção um violino quase onipresente que vai fraseando uma poesia paralela ora lembrando as origens country da música local (Excuses To See You), ora pondo um tom de lamento em harmonias inicialmente alegres (She Come and Goes). Há também a cintilância discreta de flautas. Há delicadeza de vocais femininos se contrapondo ao masculino marcadamente folk. O lançamento finaliza com Goodbye Town que nos remete aos shows de moças interioranas que vieram tentar a vida nos grandes centros dos Estados Unidos.

Pra quem gosta do clima de frescor das coletâneas acústicas tão disseminadas nos anos 90, 12 Tales... é perfeito. Só acho que a banda poderia ousar mais nos arranjos. Não sei, talvez o The Young Republic tenha me deixado com sede. Isso é bom.

Tracklist

01. Girl In A Tree

02. Modern Plays

03. Excuses To See You

04. Girl From The Northern States

05. Everybody Looks Better In Black And White (A Reference To Film)

06. She's Not Waiting Here This Time

07. She Comes And Goes

08. Real Love (At The End)

09. Paper Ships

10. When I See Your Eyes I Swear To God That World Collided

11. Blue Skies

12. Goodbye Town

13.4.07

Orange and Lemons

Strike whilst the iron is hot... primeiro disco da banda filipina Orange and Lemons é um líbelo da onda de revivalismos "anos oitenta". Apesar de a originalidade não ser seu forte, a titude e o inusitado de ser uma banda que aposta em guitarras a la The Smiths, com letras em filipino, garante aos caras uma aceitação imediata. Aos céticos vale dizer que a língua filipina, que hoje é composta por palavras do filipino antigo, inglês e espanhol, produz uma sonoridade fácil de digerir e a imediata ligação com o som oitentista faz esquecer não se consegue entender uma única palavra do que está sendo dito. Outra curiosidade é que um de seus maiores hits (que conquistou, no início de 2006 as paradas britânicas), foi a música de abertura da edição filipína do Big Brother. Garanto que é melhor do que a do Paulo Ricardo.
E para não ficar distante do antigo a banda ainda se atreveu a fazer uma releitura de Blue Moon, classíco imortalizado por Elvis Presley. Além dessa versão bastante audível, ficamos com um conto urbano em Chatter´s Tale, uma imitação interessante da voz do Morrissey em Yer so Special e uma melodia para dandys apaixonados em Heavens Knows (This Angel Has Flown).
Vale à pena conferir também o site da banda http://www.orangeandlemons.ph, cuja arte é um elemento de destaque.
Nada mal para começar a se conhecer a produção musical de um país onde um dos principais empregos almejados pelos jovens estudantes é o de operador de call center.

Este post vai também para o Mel Baizas o amigo filipino que me presenteou com o disco.

Retorno

Ok... Estivemos sem atualizar por conta dos desencontros, mas ontem acertamos continuar regularmente daqui em diante... Aos que nos conheceram na versão antiga, mudamos em função de seus pedidos, pois fomos convencidos, depois de muita dor de cabeça, literalmente, que o fundo preto não foi a melhor escolha.

29.12.06

Primeira e última lista de 2006

Para não ser totalmente chato em relação às listas, atendo o pedido de um amigo e coloco aqui algumas coisas que estou escutando permanentemente e que, talvez, sejam os meus melhores de 2006 (obs: algumas músicas não foram lançadas em 2006, mas como tenho piorado nas reservas aos "novos sons", fica valendo também aquelas que apenas conheci este ano).

1. Aspettami - Pink Martini (Hang on little toamto - 2004)
2. The Ocean - Richard Hawley (Cole's corner - 2005)
3. Sam Prekop - Who's Your New Professor (Who's Your New Professor - 2005)
4. Strong (for Pat) - Raindogs (Strong EP - 2006)
5. The Whole World's Got The Eyes on You - The Legendary Tiger Man (Masquerade - 2006)
6. Tower of Song - Leonard Cohen (Leonard Cohen/I'm Your Man - 2006)
7. Danç-êh-sá (o disco todo) - Tom Zé (2006)
8. Vida por Favor - Emanuel Matos (Dizeres - 2007!)
9. 69 Love Songs (o disco todo) - Magnetic Fields (2004)
10. B.L.O.S.S.O.M - Komeda (não sei o ano)
11. Deus Ibi Est - Isobel Campbell & Mark Lanegan (The Ballad of Broken Seas - 2006)

Resposta...

Ela me disse que eu tinha partido. Foi através daquelas palavras que não sei como saíram que me dei conta do que percorri. Cansei dos oceanos e das coisas baratas. Queria o peito dela de novo. Sua voz carcomida cantando para eu desistir. Um pouco do apego que aprendi por lá também me incomoda. Fica difícil construir estranhamentos diante de coisas que nos são tão íntimas. Através da porta eu lhe disse até logo. Eu menti. Eu fui sacana de novo. Mantive meus objetos estranhos do lado de dentro. As meninas que agora conheço acham que eu sou de verdade. Nunca ninguém me ensinou a abraçar. Aprendi as coisas da vida, inexistindo. Qualquer coisa que eu venha a dizer nessas linhas me perdoa tá? Tenho tantos erros nos passos que o caminho já me perdeu. Talvez as bailarinas ensaiem hoje. Um amigo meu tem um filho sensacional. Eu tenho um filho que é mais do que eu jamais poderei ser. Eu quero mesmo e ser o que sou. Um pedaço de dor encrustado na distância inventada entre velhos camaradas. Lembro com certo desgosto da minha partida. Das coisas insinuadas que ficaram para trás. Os trapos de noites que eu quero de volta. Tinha um vício que era o afastamento. Bem, aqui desse lado em que me encontro, isso é um luxo que não tenho. Ela ainda me diz coisas no escuro. Percebo pouco das suas alegrias.Ele me disse que eu parti. Naquelas letrinhas sofridas eu entendi que tinha ficado. Permaneço por aqui. Dentro das coisas que me levaram. Não dói acordar. Acostumei-me com o espelho. Na caixa de madeira que ela julgava ser o seu único segredo, descobri uns troços que ela me deixaria de herança no dia do nosso fim: Contas de cristal barato, as duas cartas do nosso amor e um pedaço de mim que eu não sei como ela conseguiu.

José Mattos Neto
(O Livro das Distâncias)

21.12.06

Como Será 2007 (Parte 2)

Antes de tudo eu queria dizer que quem me apresentou o The Shins foi a Natalie Portman. Aconteceu numa cena muito comovente do filme Garden State ("A hora de voltar", aqui no Brasil) do diretor/ator Zach Braff. Fato este que faz dessa banda uma banda especial (pra mim, pelo menos).

O quarto álbum Wincing The Night Away - a ser lançado no dia 23 de janeiro de 2007, pela gravadora Sub Pop -, mostrará, em músicas como Phantom Limb e Sea Legs, que os Shins vieram pra assoprar a poeira da memória. Esse disco é pra lembrar que antes vieram Beatles e Beach Boys, que Bowie não é deus por acaso e que Sting já foi algo mais que um gringo com relações escusas com índios amazônicos. The Shins mostra seus heróis com orgulho e nos ensina que é necessário lembrar e respeitar o passado, sem no entanto deixar-se exilar.

Tracklist:

  1. "Sleeping Lessons"
  2. "Australia"
  3. "Pam Berry"
  4. "Phantom Limb"
  5. "Sea Legs"
  6. "Red Rabbits"
  7. "Turn on Me"
  8. "Black Wave"
  9. "Spilt Needles"
  10. "Girl Sailor"
  11. "A Comet Appears"

20.12.06

Nunca mais

"Nunca mais o riso branco e nítido do senhor estranho da casa número dez repercutirá distinto.
Nunca mais a impressão de que um desconhecido era o único amigo, quando toda a gente que se abrigava sob o mesmo teto era apenas enfeite.
Nunca mais as retinas estarão coladas aos olhos dela, como cristais puríssimos a interpretar a luz, apenas porque podiam.
Nunca mais suores e cheiros serão legítimos como nas noites imensas em que reunidos num só objeto, estivemos nutridos de amor.
Nunca mais asas de envergadura impossível para alçar os vôos que nunca ninguém tentou, rumo aos destinos absurdos que nossas horas, palavras e versos iniciaram ritmicos.
Nunca mais os enfeites de alma e as tonteiras dos vinhos olímpicos, feitos em outras eras, nas terras que ainda não eram de ninguém.
Nunca mais prudências. Nunca mais a ira.
Nunca mais venenos para restaurar dignidades em atos extremos.
Nunca mais calar vozes e iludir com silêncios a necessidade de pertencer.
Nunca mais a palavra nunca será bradada como riqueza.
Nunca mais meu canto será cantado sem tristeza.
Nunca mais".


José Mattos Neto
(O Livro das Distâncias)

Pink Martini

O Pink Martini não é uma banda comum, devemos frisar de início.
Formado em 1994, pelo pianista de Harvard, Tom Lauderdale, a banda tinha como missão, tocar em eventos para angariar fundos para diversas campanhas sociais.
Com um repertório multilingüe, a banda teve seu debut com o album Simpathique que trás dentre outras pérolas, uma gravação de Aquarela do Brasil (chamada no encarte apenas de "Brazil") de Ary Barroso e uma revisão do clássico Qué Sera Sera, imortalizado por Nat King Cole.
Seu portifólio de ritmos é bastante diversificado e talvez a melhor tradução para sua música, seja mesmo uma auto-definição publicada em seu site: "algo entre uma orquestra de dança cubana dos anos 30, um grupo de música de câmara, uma banda de marcha de rua brasileira e um film noir japonês".
Seu mais recente trabalho Hang on Little Tomato, mostra um grupo altamente desenvolvido musicalmente, com apelos cinematográficos em suas canções e belíssimos versos em inglês, espanhol, japonês, italiano e, pasmem, croata. O destaque fica para os vocais de China Forbes, cuja voz parece ter saído diretamente das gravações de rádio dos anos 50.
Como os próprios membros da banda incentivam, àqueles que gostam de descobrir sonoridades e se deleitar com música de excelente qualidade, bem como surpreender-se com uma arqueologia musical, busquem os trabalahos do Pink Martini, a satisfação é garantida.

19.12.06

Como Será 2007

A julgar pelos lançamentos que já escaparam das salas mal vigiadas das gravadoras, 2007 vai ser um ano espetacular para música.

Primeiro foi a banda britânica Cooper Temple Clause com seu terceiro álbum Make This Your Own. Mostrando uma elasticidade desconcertante com seu som repleto de samplers, peso nas guitarras e vocais que nos remetem a um Oasis mais punk, mas agora incorporando também arranjos de cordas que, em momentos específicos, roubam o brilho das guitarras (Once More With Feeling), uma surpreendente faixa toda acústica (Take Confort), seguida de um épico nervoso (All I See Is You). Tudo termina com a belíssima House of Cards em cadência de mantra e som longínquo de pássaros. Este é um álbum que guarda surpresas em cada detalhe, um tesouro a cada audição.

Lançamento previsto pra 23 de janeiro de 2007.

Amanhã comento os novos do The Shins e Air.

14.12.06

Leonard Cohen/I'm Your Man

Um diretor desconhecido e um escritor, músico e poeta brilhante... Já me disseram que o resultado é maravilhoso. Ainda não vi o filme, mas se for tão bom quanto o disco, nenhum outro adjetivo cabe melhor que - Perfeito!
Leonard Cohen I'm Your Man é um filme lançado em 2005, mas que muito provavelmente não teremos a chance de ver por aqui. Tive o privilégio de ganhar o disco de um amigo e ainda não o tirei do tocador.
Os destaques vão para as interpretações de Nick Cave (Suzanne), Rufus Wainright (Famous Blue Raincoat) e para o próprio Cohen cantando Tower of Song tendo o U2 como cozinha... Imperdível.

Baiacu não... Baiacool

Começa este fim de semana o 4º Baiacool Jazz. Na estréia, show de Albery Albuquerque, que será acompanhado pelo amigo-primo Tom Salazarcano (da Euterpia). Vale a pena conferir.

Impressões

"Uma peça em azul sobre meu pranto. As coisas que nem sequer tramitei no cenho. Minhas desculpas por deixar-lhe silêncios. Trouxe de longe o costume de voltar. Gostaria de lhe encontrar à porta dos meus dias que assim seria mais rítmico meu despertar. Agora que sei seu nome é só disso que viverei nesses meses, enquanto ausente. Recubra meus rabiscos para confirmar o que lhe disse. Isso podia ser uma carta de adeus. Não uso palavras impossíveis. Minhas horas se aproximam da noite e o escuro traz-me a impressão de lhe ter. Sorte minha acreditar no que não vejo".

José Mattos Neto
(O Livro das Distâncias)

13.12.06

Dizeres

Está previsto para o primeiro semestre de 2007 o lançamento do 4º CD do compositor Emanuel Matos - "Dizeres". Este trabalho conta novamente com a parceria do maestro José Maria Bezerra, fértil encontro estreado no disco "Banho de Cuia". Sem data certa para o lançamento, esperamos que o CD saia o mais rápido possível e com show de lançamento.

Primeira Escrita

Será por causa de Casimiro, Barros, Pessoa, Lautrèamont, Sábato e Bandeira, mas também por causa de Bowie, Morrisey, Vinicius, Jarvis Cocker, Chico Buarque e Ian Curtis que existiremos. Será nossa razão de ser, também, os amores, as conversas da boa gente, a escrita dos outros e os descobrimentos.
E isso, enquanto nos permitirem os anos, a saúde, as vontades e, sobretudo, os desatinos.
Sejam Bem Vindos ao espaço Arlequim.
José Mattos Neto & Wagner Caldeira